A dispensa de licitação na continuidade de obra ou serviço objeto de contrato rescindido.

As normas relativas à realização das contratações pelo poder público estão dispostas na lei 8.666 de 1993, além de normas específicas para tipos diferentes de licitação. A lei 8.666 traz normas gerais de contratação, descrevendo situações em que a licitação é obrigatória, casos em que ela é dispensável e as hipóteses de inexigibilidade de licitação. Primeiramente há de se fazer a diferenciação entre dispensa e inexigibilidade, apresentadas respectivamente nos artigos 24 e 25 da referida lei.

Na dispensa, o administrador público tem uma autorização para realizar a contratação sem a realização de processo licitatório, o que não quer dizer que não poderá realiza-lo. O artigo 24 traz um rol taxativo das hipóteses em que isso é autorizado. São situações em que a licitação encareceria o custo do contrato administrativo de forma significativa, casos de urgência em que a realização do certame inviabilizaria a prestação do serviço necessário, como o atendimento de vítimas de um desastre natural, por exemplo, e alguns casos de contratação de entes públicos para prestar determinado serviço. O artigo 24 elenca todas as 35 situações em que seria possível a dispensa, no entanto daremos especial atenção aos incisos II e XI, que serão tema desta exposição.

Quando se fala da inexigibilidade de licitação, prevista no artigo 25 da lei 8.666, o que temos é a impossibilidade de realiza-la, não se trata de uma escolha do poder público entre realizar ou não. Neste caso, diferentemente do artigo anterior, o rol trazido é apenas exemplificativo, deixando em aberto a possibilidade de que outros casos sejam enquadrados nas condições de inexigibilidade. Em rasa síntese, é impossível licitar (I) a compra de materiais e equipamentos que tenham um único fornecedor, vedada a preferência de marca, e que seja comprovada a exclusividade do fornecedor por documento emitido pelo órgão competente do local da realização da contratação; (II) para a contratação de serviços técnicos, de natureza singular, prestados por profissional de notória especialização, exceto para serviços de publicidade e divulgação; (III) para contratação de artista, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Diferenciadas as hipóteses de inexigibilidade e dispensa, adentramos ao tema deste trabalho, qual seja, contratação direta nos casos de rescisão contratual pelo poder público com o vencedor de uma licitação, iniciando pela análise do inciso XI do artigo 24:

Art. 24. É dispensável a licitação:
XI – na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;

Da leitura do dispositivo, facilmente se extrai que o poder público pode deixar de realizar nova licitação em caso de rescisão contratual, mas para contratar diretamente o remanescente da obra ou do serviço de fornecimento, é obrigatória a observância da ordem classificatória do certame. Poderia a administração pública decidir por realizar nova licitação para tal contratação? Ao nosso entender, não há qualquer impedimento para que isso ocorra, a depender das condições do caso concreto.

Em termos gerais, se as condições de mercado e a necessidade do serviço não forem significativamente alterados, seria no mínimo desaconselhável novo certame que acarretaria novo dispêndio de recursos públicos em sua realização, tendo em vista a autorização dada pelo inciso XI do artigo 24 da lei de licitações. Mas, repita-se, a conveniência deve ser avaliada caso a caso pelo poder público, e caso haja indícios de irregularidades, também deverá ser apreciado pelo tribunal de contas respectivo.

Extrai-se então do texto legal que, caso não haja licitantes remanescentes que atendam à qualificação exigida ou não aceitem as condições do primeiro colocado, uma nova licitação deverá ser realizada. Não poderia a licitação ser dispensada nesse momento com a contratação de um fornecedor alheio ao primeiro certame.

Um problema poderia surgir quando o valor da contratação ficar aquém do estipulado no inciso II do artigo 25, para o qual também é dispensável a realização de licitação. Nesse caso, mesmo sendo dispensável, a administração entende ser necessária ou conveniente sua realização. Poderia então, nesse caso hipotético, a administração desconsiderar a licitação já realizada, para contratar fornecedor alheio ao certame sob o pretexto de que o processo é dispensável? A resposta nesse caso é não.

Por obediência ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, a administração não pode simplesmente desconsiderar certame realizado.

O princípio da primazia do interesse público autoriza, sim, que mesmo após a realização do processo licitatório, este venha a ser cancelado, pois a simples participação, mesmo que com vitória, não gera direito ao contrato administrativo. Ou seja, a administração pode realizar uma licitação, finalizar o processo e declarar o vencedor, e mesmo assim decidir que a contratação não é mais de interesse público, e cancelar o certame.

Noutro passo, realizada a assinatura de um contrato, iniciado o fornecimento do material ou a prestação de serviço, a administração está vinculada ao contrato e também ao edital da licitação. Se o contrato for desfeito, por motivo alheio à administração, ou seja, por inadimplemento do contratado, por exemplo, necessitando à administração que o serviço continue sendo prestado, esta deve respeitar a ordem de classificação, conforme o inciso XI.

Não pode ainda, o poder público, descartar a classificação da licitação existente sob pretexto de que o valor da obra ou serviço dispense o processo, tendo em vista que num primeiro momento a administração entendeu ser necessário e oportuno sua realização, estando assim obrigada a respeitar seu instrumento. Se acaso o serviço deixasse de ser necessário, não haveria a obrigação de proceder o chamamento do licitante classificado, mas caso seja necessária sua continuidade, a administração não pode cancelar a licitação e contratar livremente fornecedor apoiado na dispensa em razão do valor do contrato.

Concluindo então, temos que a administração pode dispensar a licitação nos casos autorizados pelo artigo 24 da lei 8.666. Não dispensando, por opção ou por falta de autorização legal, o instrumento do edital deverá ser respeitado, e consequentemente o contrato assinado. Nesse sentido, o poder público pode desistir de realizar a obra ou serviço em defesa do melhor interesse público. Porém, caso necessite do fornecimento do material ou serviço, este deverá ser realizado conforme o contratado.

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