Ainda nos dias de hoje, é comum as pessoas pensarem que a lei que tratou de regulamentar o contrato de trabalho dos domésticos foi a Reforma Trabalhista, no entanto esse “achismo” está equivocado.
A Reforma Trabalhista tratou-se de uma lei que realizou alterações na CLT, lei que como sabido regula as relações de trabalho formais, conhecidas popularmente como relações de emprego de carteira assinada. A regulamentação do contrato de trabalho dos domésticos se deu através da Lei Complementar n. 150 de 2015 (LC 150/15). É sobre essa lei que o presente artigo pretende se debruçar, com o intuito de ampliar o conhecimento acerca do tema e tentar esclarecer algumas dúvidas recorrentes tanto no meio social quanto no meio jurídico, analisando como se caracteriza a relação de emprego doméstica, como é a jornada de trabalho da categoria, quais as particularidades da rescisão dentre outras nuances também importantes.
– Caracterização: A previsão legal que tutela e configura a relação de emprego doméstico consta do art. 7º da nossa Constituição Federal, que deve ser lido concomitantemente com o art. 1º da LC 150/15. Desta leitura se conclui que é considerado doméstico aquele que presta serviços de forma contínua (leia-se rotineira), subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana.
Assim, em uma leitura mais objetiva, considera-se empregado doméstico aquele que, de maneira habitual, pelo menos três vezes por semana, presta serviço em residência de pessoa ou família (jamais em estabelecimentos comerciais) e que recebe por este serviço.
Importa destacar que, conforme previsto no art. 7º da LC 150/15, não há sucessão de empregadores no contrato de trabalho doméstico. Isso significa dizer que se a mesma empregada prestar serviço para uma mesma família, porém em casas diferentes, o contrato de trabalho dela não se estenderá para ambas, existindo aí duas relações de trabalho que geram vínculo empregatício. Em um exemplo mais didático, se a empregada trabalha na casa de uma pessoa as segundas, quartas e sextas-feiras e na residência da mãe dessa mesma pessoa às terças, quintas e sábados, ela possui dois empregos, devendo ser remunerada e tutelada separadamente em cada um deles.
Cumpre ainda destacar também que a referida lei proíbe de forma expressa a contratação de menores de idade para trabalhar como empregado doméstico, em observação a convenção 182/99 da Organização Internacional do Trabalho, bem como o decreto 6.481/08.
– Jornada de Trabalho: A jornada de trabalho deverá observar a regra de 8 horas diárias e 44 horas semanais, sendo obrigatório o registro de ponto. Em relação ao registro de ponto, é proibido o controle de horário conhecido como modelo britânico (chegada e saída registrados todos os dias no mesmo horário, com exatidão de horas e minutos).
Poderá ser feita compensação (banco de horas X folga/saída mais cedo), desde que esteja previsto de forma expressa no contrato de trabalho. Aquilo que ultrapassar a jornada de trabalho prevista deverá ser pago como hora extra. O adicional da hora extra deverá ser no mínimo de 50% e o divisor utilizado na equação do cálculo deverá ser o 220 (salário dividido por 220 = X, onde X será o valor da hora de trabalho) para se achar o valor da hora extra. A jornada de trabalho poderá ainda ser de 12 por 36, desde que prevista de forma expressa no contrato de trabalho. Neste caso não se admite hora extra, e para haver compensação deverá constar também expressamente do contrato de trabalho.
Se o empregado trabalhar aos domingos e/ou feriados terá direito a receber compensação (folga) na semana subsequente ou hora extra com adicional de 100%.
Importante também esclarecer as hipóteses em que o contrato doméstico poderá ser estabelecido a termo, ou seja, por prazo determinado. A lei prevê essa modalidade somente em 3 hipóteses. Quais sejam:
a) Contrato de experiência – Máximo de 90 dias: Quando o empregador quer conhecer e avaliar as qualidades do empregado.
b) Natureza Transitória – Máximo 2 anos: Quando por alguma razão o empregador necessitar de um empregado doméstico temporariamente. Por exemplo, quando é acometido por alguma doença que o invalida temporariamente para as tarefas de casa.
c) Substituição temporária – Máximo 2 anos: Quando por alguma razão o empregador precisa substituir a empregada que já possui. Por exemplo quando a empregada entra de licença maternidade.
No que tange ao empregado doméstico que trabalhar entre as 22:00 e 05:00 Hs, este terá direito ao recebimento das horas noturnas, mas se a jornada de trabalho for exclusiva no horário noturno o valor do salário já deverá ser calculado com o adicional noturno.
Por fim, mas não menos importante, o empregado doméstico tem direito a férias e pode vendê-las ou fracioná-las também.
– Rescisão: Inicialmente, acerca do aviso prévio se aplica a mesma regra prevista na CLT, podendo o mesmo ser trabalhado ou indenizado, observando-se o acréscimo proporcional (3 dias para cada ano trabalhado).
O empregador deve recolher para o empregado doméstico 8 a 11% a título de INSS e 8% a título de FGTS. No entanto, no contrato de trabalho doméstico não existe a figura da multa de 40% do fundo de garantia. Aqui se aplica uma regra própria, explicada abaixo.
Durante todo o contrato de trabalho do empregado doméstico, o empregador recolhe uma quantia de 3.2% do salário do trabalhador para fins de rescisão. É como se esta quantia viesse para substituir a figura da multa de 40% do FGTS. Assim, se a dispensa for por solicitação do empregado doméstico, por justa causa ou se der pela morte do mesmo a quantia recolhida para fins de rescisão retornará ao empregador. Mas, se a dispensa for sem justa causa ou indireta a quantia é destinada ao trabalhador. Se for por culpa recíproca, 50% retorna para o empregador e ou 50% restantes vão para o empregado.
Outra curiosidade é que, para fins de justa causa ou rescisão indireta se considera o art. 27 da lei específica dos domésticos, e não o que está disposto na CLT. Aliás, as normas da CLT, bem como de outras legislações só se aplicam ao contrato de trabalho doméstico naquilo em que a LC 150/15 for omissa. Referente ao seguro desemprego este será sempre no valor de um salário mínimo, devendo ser pago por 3 meses.
Enfim, é uma lei muito recente que ainda precisa de avaliações mais criteriosas para o seu aperfeiçoamento, mas não há duvida da urgência da sociedade em ter uma legislação que regulasse a relação de trabalho do empregado doméstico, pelo fato de sempre ter sido uma profissão extremamente disseminada pelo Brasil, e que contava com um resguardo tão pobre da lei.
Como dito, ainda é um protótipo, mas de sublime importância no sentido de retirar da informalidade milhares de trabalhadores, lhes atribuindo direitos e proteção legal, de forma tal que o que resta para o futuro é trabalhar para lapidá-la, sempre em prol do bem comum.
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E-mail: Guilherme.perdomo@glpadvocacia.com.br
Referências:
– CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.
– LEI COMPLEMENTAR Nº 150, DE 1º DE JUNHO DE 2015.
– CONVENÇÃO 182, DE 17 DE JUNHO DE 1999.
– DECRETO Nº 3.597, DE 12 DE SETEMBRO DE 2000.
– DECRETO Nº 6.481, DE 12 DE JUNHO DE 2008.